Os últimos dias foram torturantes para o Chinoike. Desde o incidente que causou, quando feriu outro shinobi da Folha intencionalmente por meio do seu doujutsu, suas noites de sono eram escassas. Acordava duas a três vezes durante a noite, como se estivesse preso em um eterno genjutsu lançado por ele mesmo, revivendo aquele momento em seus sonhos. O que mais o assombrava era ter a certeza que, caso não estivesse se esgotado e desmaiado naquele momento, o seu ataque poderia ter deixado sequelas duradouras no mente do outro menino.

Aoi acordou mais um dia com os olhos pesados, o cansaço acumulado dos últimos dias cobrava muito do seu corpo, mas o ruivo não conseguia fazer muito pra melhorar aquela situação. Desceu as escadas até o térreo da casa quase se arrastando, como se nunca tivesse levantado da cama, um verdadeiro morto vivo. O horário do café já tinha passado faz tempo, mas na mesa onde todos comiam estava embalado um prato com algumas panquecas decoradas com frutas. Sua mãe já tinha saído fazia tempo, e provavelmente o pai estava fazendo algo pela Folha, mas não era costume era ficar muito tempo longe. Respirou fundo, sabendo que precisava comer, apesar de seu corpo rejeitar o sentimento de fome, e sentou-se na mesa. Aos poucos, partiu os pedaços e levou-os a boca. A comida estava, como esperado, perfeito para os padrões de Aoi, mas, apesar disso, a garganta fechava como um último ato de resistência de seu corpo, mas engoliu forçadamente, contrariando seu próprio organismo. Com o passar do tempo, a tarefa se tornou mais fácil, até sobrar apenas um resto de calda em seu prato.

Levantou-se para lavar a louça que acabara de sujar, todo o resto já tinha sido devidamente limpa. Lembrou-se, quase que por instinto, que por essa hora receberia uma visita. TOC TOC TOC - o barulho de alguém batendo à sua porta ressoou pela casa. Secou as mãos em um pano de prato, e se dirigiu até a entrada da residência — Indo — respondeu ao barulho, em um tom neutro que normalmente não o pertencia. Ao abrir a porta, deu de cara com seus dois colegas. Seus olharem pareciam querer expressar algum tipo de ânimo, mas era óbvio que pareciam mais preocupados do que qualquer coisa — Aoi! Bom dia! — a menina falou, ela era melhor com essas questões de interações sociais do que o outro menino que a acompanhava, então sempre tomava à frente — Estamos indo treinar, quer ir também? Eu trouxe seus favoritos! — ela tirou um pequeno pacote com pirulitos de diversos sabores, mas a reação instantânea do ruivo não foi a melhor — Acho melhor não... Vou ficar em casa hoje — ele forçou um sorriso, mas seus olhos não acompanharam, eles eram sinceros quanto à falta de ânimo do jovem para fazer qualquer coisa que não voltar a deitar. A garota, por sua vez, soltou uma risada desprovida de graça, incomodada com a situação — Tudo bem, qualquer coisa estaremos lá — ela largou o pacote na mãos do Chinoike e, após uma breve despedida de ambas as partes, a porta se fechou.

Aoi deu meia volta, largou o pacote no balcão da cozinha e continuou sua caminhada até a área externa da casa, no jardim que tinham nos fundos. O sol brilhava forte do céu, alguns pássaros cantavam ao longe e, eventualmente, voavam de um lado para o outro. Os raios solares aqueciam a pele do jovem shinobi enquanto ele se preparava para deitar na grama. Aquela atividade se tornou comum nos seus dias. Permitia que o garoto conseguisse focar em uma coisa diferente que o interior da sua mente e, assim, conseguisse genuinamente relaxar por um tempo. E, assim, adormeceu por uns minutos.

A porta de correr abriu atrás de Aoi. Apesar de adormecido, aquele tipo de barulho era suficiente para o despertar naquelas circunstâncias. Inclinou a cabeça para trás, tentando ver quem era se precisar se levantar, e encontrou o rosto irritado de seu pai. Sabia que tinha problema vindo.— Porque você está em casa de novo, Aoi? Não tem nada pra fazer?! — o jovem não conseguiu olhar nos olhos do mais velho e negou, olhando para qualquer outra direção. — Meu filho. É por causa do incidente daquele dia? Já tá resolvido — ele tentou acalmar o mais novo, sentando-se do seu lado — Não foi um acidente! — recebeu a resposta ríspida, que saiu rasgando a garganta de Aoi — Eu quis fazer aquilo. Eu poderia ter parado. E eu não ia parar — as palavras eram acompanhadas de lágrimas que teimosamente apareceram nos olhos do Chinoike, ameaçando escorrerem pelo seu rosto, parece que finalmente conseguiu assumir o que tinha feito.

— Sim, eu ouvi dizer que você desmaiou no processo, mas você não iria chegar em nenhum extremo, eu tenho certeza. E você já levou uma bronca por fazer isso contra um outro habitante de Konoha. — Aoi ouvia as palavras do outro atentamente, se perguntando onde ele queria chegar — Mas você estava se defendendo, não? Você foi colocado naquela situação, Aoi. Você já assumiu a responsabilidade pelo o que fez, agora é tirar uma lição disso e viver sua vida daqui pra frente. Já fiz coisas que não me orgulho e paguei por elas, isso não me faz uma pessoa ruim. — O jovem shinobi parecia, de certa forma, entender o que estava sendo dito. Ele levantou o rosto, molhado pelas lágrimas, e limpou o nariz antes de falar algo — Tudo bem, pai. Vou pensar melhor nisso. Obrigado — recebeu um abraço do pai e um beijo no topo da cabeça como resposta. O mais velho ainda bagunçou o cabelo do filho, arrancando algumas risadas, e se levantou logo depois — Vou começar a preparar o almoço. Depois venha comer comigo — o ruivo concordou com um sorriso contido e voltou a se deitar na grama.

Uma mistura estranha de sentimentos se agitava em seu interior. Por um lado, sentia-se culpado, e tinha receio de matar alguém com as próprias mãos. Mas agora, vendo pela perspectiva recém considerada, questionou-se sobre a possibilidade de ser inserido numa posição onde suas escolhas acarretariam na sua morte ou na morte de um companheiro. No mundo onde vive, essa última era uma realidade que eventualmente encontraria face a face. Naquele momento, enquanto o sol esquentava sua pele, não encontrou resposta.

Considerações: