Konoha, 16 D.G

   Indra chegava em casa com uma caixa cheia de aparelhos velhos em sua mão, ligando a luz da sala e fechando a porta com o calcanhar. Ao colocar a caixa na mesa, Indra pode abrir e ver tudo o que tinha conseguido pegar no ferro-velho. Desde o Arrebatamento, Nakashima tinha fechado as portas da vila para o mundo e cancelado acordos comerciais com as grandes nações, tudo por conta das mortes ocorridas devido a invasão dos Jashinistas. Por causa disso, e de outros fatores, a tecnologia do mundo se tornou escassa, sobrando apenas alguns aparelhos velhos cuja validade ia se desfazendo.

   Rapidamente, o inventor deitou-se no sofá da sala, que se transformaria num divã, pegando uma espécie de tiara, colocando-a em sua cabeça e apertando o botão que tinha no objeto. Fechou os olhos e então deu início a sua "terapia", que nada mais era do que a sua inteligência artifical, de nome Siren, que tinha informações de psicólogos e terapeutas do mundo inteiro, todas armazenadas por Indra, para que ele pudesse receber atendimento em casa. Após a guerra contra Jashin, o mundo tinha ficado de cabeça para baixo e a sociedade tinha entrado num colapso mental. Indra não confiava nos terapeutas, porque sabia que a mente deles poderia estar tão ferrada (ou até pior do que a dele).

   ― Olá, Mestre Kobayashi. Você ativou o Protocolo Cura Mental. Vamos começar: conte-me como foi o seu dia hoje. - dizia a voz feminina.
   ― Eu acordei um pouco mais tarde hoje, lá para as nove da manhã. Preparei um café com pão, ovos, bacon, queijo e presunto, e também café quente, itens de luxo hoje em dia, considerando a crise em que a população está. Depois saí para buscar os comprimidos que eu preciso para controlar meus distúrbios. Aproveitei para passar na mercearia, para comprar uma garrafa de whisky e um saco de batatas-fritas. - sussurrou, olhando para o teto. - Eu acabei vendo a Harumi de longe, a que eu disse que chamaria para sair a dois anos atrás. Ela está namorando agora. Bom para ela. Depois de tantos anos sendo assistente do Kaden, ela merece ser feliz. - falou, sentindo uma leve tristeza.
   ― Segundo os meus últimos registros, você ainda possui fortes sentimentos por ela, mas não tem coragem de se declarar por conta da sua dificuldade de estar próximo das pessoas, de interagir com elas. - pontuou Siren. - Deseja abordar esse tema hoje, Mestre Kobayashi? - questionou.
   ― Hoje não, e certamente não na próxima consulta. Enfim, depois disso, eu tomei meu comprimido, e fui até o ferro velho ver se tinha chegado novos materiais. Consegui achar algumas coisas, mas nada muito satisfatório. Por isso decidi que começarei a procurar por ferros velhos em outras vilas. - disse.
   ― Meus registros disem que essas viagens poderão ajudá-lo com o seu problema de interação social. - argumentou Siren.
   ― Não é exatamente isso que eu quero. Só quero encontrar novas peças para os meus aparelhos. - disse, levantando-se.


   [...] Após uma rápida consulta com sua inteligência artificial, Indra foi para a cozinha preparar um lanche especial para ele. Colocou as batatas-fritas no óleo quente, enquanto pegava picanha, alcatra e contrafilé, moendo uns pedaços e fazendo um blend de duas carnes gordurosas, colocando-as na chapa junto com o pão de hamburguer com gergelim, colocando duas fatias de queijo chedddar e mussarela em cada uma, e umas tiras de bacon já cozidas. Com isso, ele fez dois hamburguers e um pouco de batata-frita, itens difíceis de achar com a escassez de produtos. Enquanto lanchava aquilo com refrigerante, Indra começou a gravar o seu registro diário no gravador.

   "Konoha, Ano 16 D.G. Ainda é difícil ter que encarar os meus próprios demônios, todos causados pelo Arrebatamento. O mundo ainda continua muito desigual, com muitas pessoas passando necessidade. Continuo cumprindo com as missões designadas a mim com exatidão, recebendo minhas recompensas por isso. Hoje mais um comerciante tentou entrar para a minha lista de clientes seletos para consertar os aparelhos dele, mas o cara sempre foi muito ranzinza e até umas semanas atrás era um dos que me culpava pela escassez de produtos eletrônicos no mundo, esquecendo que se eu não fosse para Nakashima, nunca teríamos derrotado o Pastor. Faz 10 dias que não recebo cartas me ameaçando de morte, talvez por eu ter ido atrás de um dos ameaçadores e ter arrebentado a cara dele no bar. Por enquanto, viverei em meus aposentos, esperando pela próxima aventura, vivendo cada dia como se fosse o último, porque, de certa forma, pode ser..."

   E assim, Indra terminou o seu registro, voltando a lanchar.