Melhorar o tempo todo era algo que havia sido martelado na cabeça de Ran desde a infância. Havia sempre muito pouco estímulo à complacência, quando algo era conquistado pouco se falava em parabéns, se falava apenas no próximo passo. Se tornar um genin não foi diferente, nem ele esperava que fosse.

- Você agora é verdadeiramente um shinobi. Sua aptidão será testada no mundo real agora, o que quer dizer que ser um fracasso não leva à reprovação. Leva à morte. Não me decepcione.

As palavras de seu pai foram duras, porém não inesperadas. Não havia nelas uma inflexão que demonstrasse qualquer envolvimento emocional. Aquele aviso era apenas para que seu filho não manchasse sua reputação. Ran estava acostumado com essa realidade. Talvez no futuro ele pensasse em lidar com isso, mas atualmente ele apenas ignorava tudo ainda que de forma inconsciente. Era como havia sido criado e não conhecia o suficiente do mundo pra saber que havia algo de errado com aquilo.

Por trás da frieza daquela declaração havia uma verdade inegável. Ran precisava melhorar continuamente ou não sobreviveria por muito tempo na sua nova ocupação. Sabia que seu nível natural de chakra, bem como seu controle sobre o mesmo, estavam acima da média, mas também tinha plena consciência de que apenas isso não seria suficiente. Estes fatores eram ferramentas, fundações, mas teria de construir algo de valor sobre eles. Haveria tempo para trabalhar esses aspectos, mas seu foco agora era outro, a velocidade.

Havia sempre sido um garoto rápido, uma habilidade que o ajudava a impressionar a família, mas que mais do que isso, era uma fonte de verdadeira alegria para ele. Correr sempre fora uma atividade da qual gostava, embora houvesse uma clara distinção entre o correr por prazer que fazia quando tinha tempo e o correr em seu máximo, se esforçando para atingir um objetivo.

Hoje era um dia para a segunda categoria.

Seu treinamento começou já no portão de casa. Iria termina-lo na área de treinamento da vila, longe das distrações das áreas mais centrais, mas não havia porque não pelo menos usar o trajeto como aquecimento. Alongou-se levemente por força do hábito e saiu em direção ao campo de treinamento. Correu inicialmente num ritmo que pudesse manter por um bom tempo. Era apenas o começo e queria ter alguns momentos de diversão antes de se dedicar verdadeiramente ao treinamento.

Depois de algum tempo nesse ritmo Ran sorriu. Seu olhar passou de júbilo à determinação. “Hora de acelerar!” Era o momento de elevar a velocidade até o limite. Com a cabeça um pouco mais baixa e os braços ao vento ele finalmente se permitiu alcançar sua velocidade máxima natural.

Embora não fosse algo que ele pudesse manter indefinidamente, ainda era uma versão mais confortável de uma corrida. Correr naturalmente ainda era um hobby, mesmo no limite. Mas apenas se manter na sua zona de conforto não seria viável a longo prazo. Sempre o disseram quem ser, qual caminho seguir e Ran não tinha mais tanta certeza se tantos conselhos estavam de fato certos, mas o que sabia sobre si mesmo é que qualquer que fosse o seu destino, não chegaria lá sem se desafiar um pouco.

O que veio a seguir é o que o desafiava. Usando o selo do tigre para canalizar a energia dentro de si ele utilizou seu chakra para acelerar ainda mais. O mundo ao seu redor que antes parecia tão nítido mesmo em alta velocidade agora era apenas um conjunto de borrões. Mais do que energia, esse estado requeria concentração. Sua atenção estava devotada ao movimento, a interpretar os rápidos sinais que recebia de seus arredores. Seus instintos também trabalhavam fielmente, salvando-o de quase colidir algumas vezes.

Mesmo nessa velocidade outro desafio foi acrescentado, propôs-se a mover-se pelo espaço de forma menos linear, escalando, saltando e caindo conforme demandasse o relevo da cidade. Subindo em telhados de prédios comerciais ainda desabitados, mas que logo veriam os primeiros sinais de movimento.

Chegou ao campo de treinamento tendo já feito mais que um mero aquecimento. Havia se dedicado por muito tempo à velocidade, mas sabia que havia outro ponto que deveria resolver: sua resistência. Ran era veloz, mas não conseguia manter sua velocidade máxima por muito tempo. Numa situação de desgaste prolongado sua eficiência caia, e precisava corrigir isso.

“Talvez eu deva dar voltas na vila varias vezes.” Ele rapidamente descartou essa ideia. Esforço hercúleo nunca fora o seu estilo. Faria o que aprendeu a fazer desde pequeno para alcançar um novo nível.

Mais uma vez Ran se dedicou a correr, agora pelo campo de treinamento, mas sua mente estava agora mais concentrada na tarefa a sua frente. Não havendo mais obstáculos ele dirigiu seu foco internamente. Sua função agora era sentir cada passo, perceber a si mesmo como nunca antes. Ele correu dando voltas numa pequena pista, sem se preocupar com a velocidade ou o número de voltas. Se dedicou a entender profundamente cada movimento, mentalmente corrigindo cada passo, moldando a atividade como um todo para que se tornasse cada vez menos eficiente. A cada volta polia o movimento de seu corpo de forma a eliminar o que fosse inútil, buscando cada vez mais investir tudo o que tinha em se colocar a frente, com o mínimo de desperdício.

De semelhante modo buscou entender seu próprio corpo, seus limites. Parecia sentir o desgaste que cada passo incorria e cada vez mais entendia os próprios limites e como supera-los. Entendia o quanto cada movimento lhe custava enquanto tentava minimizar esse custo e essa compreensão, talvez falsa, mas que lhe parecia real naquele momento, o libertou. Correu tanto quanto podia, extraindo de si toda a energia até que pouco lhe sobrasse. Quando parou, lhe restava apenas o suficiente pra voltar pra casa. Andando.

“É, foi um bom começo”

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