Alto, velho e grisalho. A descrição do homem que vi quando me virei era no mínimo suspeita, mas aceitável, considerando o jaleco e a expressão facial; trabalhava ali, conclui. Agora talvez me considerasse hostil pelos poucos segundos que passei observando-o de cima a baixo no nosso primeiro encontro.

—— Preciso aprender sobre a anatomia humana, mas não sei como começar. —— fui diretamente sincera. Eu estava determinada e não tinha tempo a perder.

Yuki; HP:200, CK:200.

As suspeitas que tive dele se aproximavam cada vez mais do medo. E com medo, estaria também limitada.

—— É realmente necessário? Quero porque quero. O conhecimento é ilimitado, acredito. —— senti-me um pouco envergonhada enquanto proferia as palavras. Seu olhar fixava-se em mim o tempo todo. Deu a impressão de querer que eu tivesse a mesma razão que ele, e a única coisa que eu sabia no momento era que suas intenções não se assimilavam às minhas.

Yuki; HP:200, CK:200.

—— Darei o meu melhor. —— foi tudo o que consegui dizer enquanto observei o homem caminhar para longe dali. Sem pressa, sem pânico. A vida fria de um homem cujo mãos tocam todos os dias um corpo quente e desacordado não parecia ser fácil, muito embora ele a encarasse sem pestanejar.

Um minuto se passou e permaneci encarando o nada, parada. Uma onda de pensamentos veio e com eles, suposições dando imagem ao homem. Suposições, indagações, dúvidas. Suspirei fraco. A sua vida nada me interessava, concluí.

Por mais que o prédio fosse extenso e seus corredores cumpridos, o hospital era um pouco vazio. Acreditei que aquilo fosse algo bom, se for pensar bem, mas ainda assim, a iluminação conjurava sombras que me subiam os pelos do corpo. Pensamentos triviais que esgotavam o meu tempo. E só de pensar que ficaria sozinha em uma sala num ambiente como aquele, tremi de leve.

Lembrando-me para onde o homem havia apontado, segui em direção. A porta semi-aberta e uma escuridão sinérgica em seu interior. Empurrei-a de leve e procurei o acendedor apalpando a parede lateral com minha mão direito. Arrastei-a pela parede áspera até encontrar o relevo que julguei certo. Virei o interruptor e o truque aconteceu. Tudo claro e calmo. Os pensamentos corrosivos sumiram, levados pela enxurrada mágica e luminosa de Thomas Edson. Me deparei com uma escrivaninha vazia, duas cadeiras de madeira e três ou quatro estantes enfileiradas. Poucos livros no chão e um amontoado de páginas avulsas espalhadas por todos os cantos. Comparado aos corredores, essa sala era uma bagunça. Felizmente, esta personagem não era perfeccionista. Fui passando a mão pelos livros nas prateleiras, procurando títulos ou autores que me chamassem a atenção. Como uma novata, eu não conhecia muito. Busquei nomes famosos do começo ao fim.

Hagens, Sobotta, Da Vinci. A lista era grande, mas estes eram o que mais me interessavam a princípio. Alarguei as mangas e peguei todos os livros que conseguia segurar sobre os braços. Estava preparada para passar a noite ali. A compreensão do corpo humana não era algo tão complexo inicialmente. Membros, órgãos, ossos. O básico era só o básico. Agora a nomeação e pontos específicos me custaram um pouco de minha saúde mental. Talvez precisasse de um café? Ironicamente, uma voz veio em minha mente: quer um café, garota? Ignorei. Não estava tão mal a ponto de acreditar em vozes.

Perdi a noção do tempo e só fui recobrá-la quando a luz solar esgueirou-se pela janela dos fundos. O piso esbranquiçou-se e os cantos da sala já não eram mais tão assustadores de manhã. Bocejei como uma pessoa normal faria, mas não conseguiria esconder o cansaço. Do pouco que compreendi, muito poderia ser usado em combate. Teoricamente eu não teria problemas, e o resto poderia ser aperfeiçoado com lidas regulares e diárias. Imaginei aonde ele estaria agora.

Yuki; HP:200, CK:200.

—— Por favor.

Um café realmente cairia bem naquela hora, por tanto tive de aceitá-lo. As suspeitas e pensamentos frívolos sobre o homem sumiam com o passar do tempo, afinal, impressões são sempre impressões. Mas, uma prova? Era de certo impossível que eu acertasse todas as questões com somente uma madrugada de estudo, e antes que pudesse perceber, já ia me esquecendo de várias coisas que havia compreendido. —— Pode deixar.

Aquelas folhas de papeis me acompanharam pelo resto do dia. Esfreguei os olhos; costumeiro de uma míope. Um longo dia, suspirei.

[...]

O tempo passava devagar conforme tentava responder questões que meu cérebro não sabia. Eventualmente, fui abordada por um sentimento de desistência, mas não o fiz. Ainda estava determinada, e por isso, utilizei todos os meios para conseguir informação. Ainda estava na biblioteca e a quantidade de livros era vasta. Eu só tinha de me esforçar mais, e isso era algo que eu não falharia.

Quando a luz deixou de transpassar pela janela, meus olhos arderam e doeram inevitavelmente. Horas olhando para um pedaço de papel cansariam os olhos de qualquer um, ainda mais olhos fracos como os meus. Felizmente, respondi tudo com o que tinha, se estivesse certo ou não, caberia ao homem ainda não presente dizer.

Yuki; HP:200, CK:200.